Comemoração do 48º aniversário do 25 de Abril de 1974 com colocação de coroas de flores junto ao monumento ao General Humberto Delgado na Cela Velha.
Breve biografia do General sem medo
Humberto Delgado (1906-1965)
Humberto Delgado nasceu a 15 de Maio de 1906 em Boquilobo, Torres Novas. Cedo ingressou na carreira das armas, frequentando o Colégio Militar entre 1917 e 1922 e a Escola do Exército, onde se formou em Artilharia em 1925. Participou no golpe militar de 28 de Maio de 1926 que depôs o regime republicano. Em 1928 optou pela carreira da Aeronáutica obtendo o curso de oficial piloto aviador. Em 1936 conclui o curso de Estado-Maior. Em 1942 foi nomeado representante do Ar para as negociações com a Inglaterra para a cedência de bases nos Açores. Devido à eficiência demonstrada, o governo inglês outorgou-lhe a Ordem do Império Britânico (CBE), salientando que arriscara a sua carreira e o seu futuro pela causa dos Aliados e da liberdade.
Em 1944 é nomeado director do Secretariado de Aviação Civil. Em 1945 funda os Transportes Aéreos Portugueses (TAP) e cria as primeiras linhas aéreas de ligação com Angola e Moçambique, a chamada “Linha Imperial”, inaugurada em 31 de Dezembro de 1946. Entre 1947 e 1950, foi representante de Portugal na Organização Internacional da Aviação Civil, em Montreal, Canadá. Em 1952 é nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos representantes militares da NATO. Promovido a general com 47 anos é o mais novo oficial daquela patente. Em 1956 o Governo Americano concedeu-lhe o grau de oficial da Legião de Mérito.
Em 1958, acedendo ao convite da oposição democrática, apresentou-se como candidato independente às eleições presidenciais. O mote da campanha eleitoral foi lançado pela célebre frase “Obviamente demito-o”, numa conferência de imprensa no Café Chave d’Ouro em Lisboa , a 10 de Maio de 1958, em resposta a um jornalista da France Press que lhe pergunta qual o destino que daria a Salazar no caso de ganhar as eleições.
A vasta movimentação popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas de ditadura uma dinâmica de unidade da oposição contra o regime salazarista. O carisma do “General sem medo” surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o então facto inédito de não desistir da ida às urnas.
O povo do norte de Portugal concentrou-se numa gigantesca manifestação no Porto – a fim de o receber poucos dias após a sua declaração contra o ditador. Esta jornada a 14 de Maio de 1958 reacordou um velha tradição de liberalismo que a ditadura de Salazar não conseguira extinguir após mais de trinta anos de ditadura. Receando que a popularidade de Delgado se espalhasse de Norte a Sul do país, Salazar proibiu a deslocação deste a Braga – um baluarte do catolicismo e berço da revolta militar do 28 de Maio de 1926 que instaurara a ditadura militar. A cidade foi ocupada por cinco mil membros da Legião Portuguesa – medida preventiva de intimidação e de exibição do poder que todavia não impediu vastas concentrações de pessoas pela região aclamando o candidato da democracia.
Apanhadas de surpresa pelo levantamento espontâneo do entusiasmo popular por todo o país, o regime tomou medidas de emergência destinadas a evitar mais demonstrações em Lisboa. Assim, após a chegada de Delgado à estação de Santa Apolónia a 16 de Maio de 1958 as forças da Guarda Nacional Republicana e os agentes da PIDE exerceram repressão sobre a população lisboeta que acorrera em massa para receber Delgado. As notícias dos tumultos e dos ataques das forças paramilitares contra a população de Lisboa apareceram na imprensa estrangeira que começou a dedicar mais atenção a Portugal, país habitualmente pacato.
Após os incidentes e tumultos ocorridos no Porto e em Lisboa, a 14 e 16 de Maio, a polícia política (PIDE) aumentou a repressão contra a população que participava espontaneamente na campanha apelidada de “subversiva” pela imprensa controlada. Apesar do mecanismo eleitoral ser manipulado desde o recenseamento, apesar das dificuldades intransponíveis na cópia dos cadernos eleitorais e na distribuição por parte da oposição dos boletins de voto, ainda assim o Estado Novo, temendo um enorme desaire eleitoral, decretou a proibição da fiscalização do escrutínio por parte da oposição. Os números oficiais deram quase 25% dos votos a Humberto Delgado, contra 75% do candidato oficial, Américo Tomás, não sendo possível ainda hoje apurar os resultados reais dada a amplitude da fraude. Com medo de no futuro passar por um outro “golpe constitucional” que representava a possibilidade de a oposição voltar a lançar-se numa campanha eleitoral como a de 1958, Salazar promove, em Agosto de 1959 uma revisão constitucional na qual se suprime o sufrágio directo sendo substituído por sufrágio indirecto proporcionado por um colégio eleitoral de total confiança do Governo.
Após as Eleições de 1958, e impedido de regressar ao cargo de Director Geral da Aviação Civil, Humberto Delgado criou o Movimento Nacional Independente (MNI) que visava manter unidas as forças da oposição que pela primeira vez em trinta e dois anos se uniram no combate à ditadura.
Após um processo disciplinar foi demitido do serviço militar activo com o objectivo duplo de o afastar de contactos com camaradas de armas e de lhe retirar a imunidade contra a intervenção da PIDE. Após uma nota oficiosa que o ameaçava de medidas repressivas e de uma aviso vindo de dentro do regime de que se preparava uma manifestação forjada à frente de sua casa com a intenção de o matar, refugiou-se na Embaixada do Brasil em Lisboa a 12 de Janeiro de 1959.
O Governo português tinha uma longa tradição de recusa do princípio do asilo político, que vinha da Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial. Portanto, recusou os argumentos invocados por Humberto Delgado de que a sua vida corria perigo. As negociações diplomáticas duraram três longos meses durante os quais se previa que a situação de Humberto Delgado perduraria durante anos, à semelhança do que sucedera em países da América Latina. Até que Humberto Delgado partiu para o Rio de Janeiro após as diligências de uma comitiva brasileira liderada por um jornalista do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, cidade onde chegou no dia do Tiradentes, 21 de Abril de 1959.
A PIDE, que já no Brasil fizera uma tentativa de assassinar Humberto Delgado, infiltrou certos círculos da oposição mantendo uma apertada vigilância sobre todos os movimentos do líder da oposição portuguesa no exílio. Uma intensa campanha de descrédito e de isolamento, alimentada pelos serviços secretos, fomentou, gradualmente, ao longo de um período de cinco anos, a criação de uma rede de informadores que conseguiu obter a confiança do General. Foi assim que ele consentiu no encontro de Badajoz em Fevereiro de 1965. Convencido que se ia reunir com oficiais portugueses interessados em derrubar o regime, Humberto Delgado foi de facto ao encontro da morte. Uma brigada da PIDE chefiada pelo inspector Rosa Casaco atravessou a fronteira utilizando passaportes falsos, a fim de montar a cilada que vitimaria o General e a sua secretária brasileira, Arajaryr Campos.
13 de Fevereiro de 1965 é a data do encontro fatídico, marcado para os Correios de Badajoz, donde aliás enviou quatro postais para quatro amigos em quatro países diferentes e assinados com o nome de sua irmã – Deolinda. O objectivo do envio destes postais correspondia a um código, previamente combinado, que significava: ‘estou vivo e não estou preso’. Foi o último sinal de vida e por isso aquela data é considerada a data do seu assassinato que se pressupõe ter ocorrido perto de Olivença.
Durante dois meses de especulações e de mentiras deliberadas da imprensa portuguesa nada se soube de Humberto Delgado. A pedido do Professor Emídio Guerreiro em Paris, a Federação Internacional dos Direitos do Homem enviou a Espanha uma delegação composta por um escocês, um italiano e um francês. Estes foram confrontados com uma muralha de silêncio em Espanha. No entanto, após o seu regresso a Paris, a 24 de Abril de 1965, os membros da delegação puderam ler nos jornais as notícias da descoberta dos dois cadáveres numa campa rasa quase à superfície, perto da aldeia de Villanueva del Fresno, num caminho conhecido por Los Malos Pasos.
Em 1990, dezasseis anos após o 25 de Abril de 1974 que restaurou a democracia em Portugal, o general Humberto Delgado foi postumamente elevado a marechal da Força Aérea e os seus restos mortais trasladados para o Panteão Nacional.
(Biografia retirada de www.humbertodelgado.pt)